Resiliência Fluída
- Patrícia NunesTavares
- 27 de fev. de 2018
- 4 min de leitura
Atualizado: 24 de ago. de 2018
Reflexões sobre a resiliência, competência tão cobrada no nosso dia-a-dia, mas que merece ser "desconstruída"para que possa agregar mais informação a todos

Ah, essa tal resiliência, habilidade tão divulgada e requisitada nos dias atuais. Quando penso na resiliência me vem à imagem do João Teimoso a mente. Nem todos irão ter a referência, mas o João Teimoso era um boneco muito comum na década de 70. As crianças se divertiam muito com ele. Ele podia ser amassado, chutado, socado, mas sempre retornava ao formato original, e com a mesma carinha feliz, pode-se dizer que era indestrutível. Dando um exemplo mais atual, outro dia, no anúncio de uma padaria que descrevia o pão francês, juntamente com o adjetivo apetitoso, também estava a palavra resiliente. Devo dizer que achei curioso um pão francês resiliente, mas não fiquei com vontade de provar o pão. Apetitoso e resiliente não combinam no meu paladar.
Cabe lembrar que apesar de ser um termo explorado fortemente nos dias atuais, não foi do dia pra noite que as pessoas se tornaram ou desenvolveram a resiliência. Primeiramente vamos a definição:
Resiliência:
substantivo feminino
1. 1.
FÍSICA
propriedade que alguns corpos apresentam de retornar à forma original após terem sido submetidos a uma deformação elástica.
2. 2.
figurado (sentido)figuradamente
capacidade de se recobrar facilmente ou se adaptar à má sorte ou às mudanças.
Questionáveis as definições do dicionário não? No sentido figurado temos a resiliência como a capacidade de se recobrar facilmente ou se adaptar à má sorte?!? Qual o interesse de se adaptar à má sorte? Seria como ficar na zona de conforto da má sorte!! É infelizmente algumas pessoas veem vantagem e conforto na má sorte. Lastimável! Certamente você leitor não é uma dessas pessoas. Nesse sentido não há muita vantagem em desenvolver a resiliência.
Divergências a parte, vamos para algo mais concreto, que está marcado na história da humanidade. Vemos na história várias figuras e ao analisarmos seus feitos e suas atitudes, temos claramente bons modelos de resiliência.
Vamos a eles:
Napoleão Bonaparte, apesar de ser uma figura polêmica é inegável o legado de resiliência que deixou à humanidade. Ele não se abateu diante das derrotas. Se perdia alguma batalha ele voltava, e voltava mais forte. Agregava complexidade a cada batalha, expandia as possibilidade e estratégias, estudava incessantemente o alvo, o seu objetivo e não se rendia. Vencia. Essa é uma curiosidade interessante sobre Napoleão. Ele lia muito. O que o ajudou a vencer, expandir seus recursos internos e ser cada vez mais resiliente. Preparando-o para batalhas cada vez mais desafiadoras.
Outro modelo de resiliência é o de Gandhi, na sua luta pela independência da Índia, a qual, na época, era uma colônia britânica. Gandhi não se intimidava diante das dificuldades nas negociações e “batalhas” entre diferentes ideologias. Se por algum motivo houvesse um ponto de discórdia, que impedisse um consenso Gandhi dizia: Enquanto vocês não se entenderem farei jejum! E a cada jejum era uma batalha vencida e uma oportunidade para retornar mais preparado para diferentes desafios. E a cada desafio, a cada jejum, Gandhi retornava mais forte. Mais consciente dos objetivos da sua luta e da certeza de sua vitória.
Vale a pena ressaltar também a importância da figura de Carl Gustav Jung, psiquiatra suíço que não se intimidou e representou a habilidade de ser resiliente de maneira brilhante. Jung fundou a escola da Psicologia Analítica numa época em que havia a supremacia da Psicanálise de acordo com os preceitos de seu colega de profissão, Sigmund Freud. Jung não se intimidou diante da divergência de opiniões e mesmo com o risco de se indispor com seu colega, mas em nome do que acreditou que seria importante para o bem comum, revolucionou a Psicanálise. O psiquiatra suíço foi um modelo de resiliência para a época, agregando conhecimento e expandindo as fronteiras e limites de práticas que contribuem até hoje na manutenção e reconstrução da saúde mental das pessoas. Vencendo batalhas diárias com a sociedade médica e sobretudo com Sigmund Freud, Jung trouxe conceitos como o de arquétipo, libido, individuação, fundamentais para entendimento da existência na atualidade.
Para finalizar essa lista de notáveis modelos de resiliente, não se pode deixar de lado o grande exemplo de Jesus Cristo. Jesus, com uma equipe de 12 apóstolos não se rendeu na sua caminhada para a transformação da humanidade. Veio com a missão de quebrar paradigmas e trazer aspectos da humanidade até então, pouco explorados, como a espiritualidade. Passou seus ensinamentos à uma maioria que ignorava a grandeza de suas palavras e de suas atitudes. Mesmo diante de todos os desafios, ele não esmoreceu. Quebrou limites, rompeu fronteiras e seguiu, cada vez mais resiliente.
A resiliência não é característica inata, ninguém nasce resiliente, ou precisa ser resiliente para nascer. Ninguém necessita passar por tudo isso que os modelos citados acima passaram para desenvolver certas habilidades. Nossas simples experiências cotidianas nos levam a desenvolver atitudes e dentre elas, a resiliência.
Você já fez uma autoanálise sobre o seu grau de resiliência? Existem várias crenças que fortalecem a resiliência, exemplo: “É preciso trabalhar duro para vencer”, “Só os fortes sobrevivem”, “A vida é dura para quem é mole”. Pode –se dizer que é uma das atitudes mais valorizadas no mundo atual também devido às várias crenças que a sustentam.
O ponto que quero abordar é que a resiliência é muito próxima a resistência. Há um grande risco do resiliente cair, se reerguer, mas não sair do lugar. Ir somente ganhando volume, “musculatura”, ficando mais resistente, com um ego mais forte. Um ego forte muitas vezes pode ser um problema no enfrentamento e na superação de obstáculos existenciais. Aqui vale enfatizar a diferença entre os conceitos de ego e eu, ou Self. O self é o centro de toda a consciência, ele que ordena os processos psíquicos. O ego é o centro da consciência inferior, é a concepção que a pessoa faz de si mesma. Exemplificando, se você se perguntar a si mesmo como você é, todas as respostas que vierem a mente estarão dizendo respeito ao ego.
A resiliência que contribui para o desenvolvimento do Self seria a chamada resiliência fluída, a qual permite a expansão da consciência, agregando cada vez mais complexidade nas experiências. Portanto a fluidez é fundamental, cabendo até mesmo considera-la no rol das habilidades mais desejadas. De maneira fluída não se elimina o retorno mais forte do tombo e ainda agrega ao retorno um salto, mostrando alguém resiliente mas diferente, do que aquele que caiu, segundos atrás.
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